Por Sebastião Formiga
Fui ao cine Banguê no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, assistir ao filme em lançamento na capital LISPECTORANTE, de Renata Pinheiro, produzido pela Embaúba Filmes e protagonizado brilhantemente por Marcélia Cartaxo. O filme aborda o universo atmosférico da Clarice Lispector, de uma sociedade a margem como na literatura e nesse caso uma metrópole e todas as suas intempéries. “Lispectorante” um nome fictício para um filme hibrido ficção e documental. Cujo expectorante remédio para purgar e expelir secreção, as sujeiras nas vias respiratórias junto com o sobrenome da “Lispector” Clarice Lispector grande poetisa, autora e escritora brasileira já falecida algumas décadas.
O universo de Clarice está presente o tempo todo no filme tanto em contexto textual de frases e poesias de Clarice como no universo vivido pelas personagens na trama central ou os simples personagens que compõem a dramaturgia do roteiro Renata Pinheiro constrói uma poesia lispectoriana no fazer da cidade com o movimento cultural pernambucano e seus contrastes na arquitetura moderna que chega e que ao mesmo tempo joga uma parte da cidade a margem.
Os princípios básicos da dramaturgia apresentam uma narrativa cheia de opostos onde dialética e dialógica conduzem o telespectador aos questionamentos aonde o futuro nunca chega para quem vive a margem, a dor de viver no universo que lhe é negado e tentar sobressair desse universo como fonte de vida tentando se encontrar no amor, na esperança, na continuidade do viver no lixo da margem e ao mesmo tempo da pura verdade dos humanos!
Nesse lugar não tem mais máscaras, no fundo do poço já não funcionam mais, agora é só real e é de onde se vê sair a poesia da felicidade, da alegria, mesmo diante do conflito estabelecido os personagens conseguem ser afeto contrapondo a carcaça da cidade grande abandonada pelo poder público pela iniciativa política caótica em suas praças e o centro da cidade onde já foi o coração do desenvolvimento hoje renegada escombros velhos, enferrujados, praças mal cuidadas, a própria estátua da Clarice Lispector toda cagada pelas aves que habitam aquele lugar.
O filme encanta pela linguagem densa do universo lispectoriano brilhantemente interpretado pelos atores Pedro Wagner, Marcélia Cartaxo, Nivaldo Nascimento, Tavinho Teixeira, Nínive Caldas e outros. O figurino contemporaniza o universo atual das personagens fortalecendo o épico na atmosfera cênica lispectorianamente. Os pilares da dramaturgia dos opostos mostrando esse universo caótico dos pobres diabos que se auto-exploram. Onde o engano e desengano lhes servem de uma mesma batuta, como a estátua da Clarice, estão todos expostos e cagados.
O olhar sensível da artista plástica brilha ao sonhar grande e amarga a dor de ter que suportar o que lhes é negado. Vendo através de uma fresta na parede da casa da Clarice Lispector, mira nos sonhos e vem o fundo do poço, a sarjeta, a vala da finitude ao mundo dos sonhos.
O filme ressalta esperança mesmo que o mundo dos interesses aponte para construção do caos, os humanos como dizia Clarisse, sempre podem encontrar saídas. Deixando a narrativa surpreendente, brilhantemente colocado nesse universo pela Renata Pinheiro e toda sua equipe. Os elementos da cultura popular pernambucana povoam o universo lúdico do filme e dos personagens. Vemos a cidade, suas belezas e contradições.
O filme retrata isso, uma grande catarse de uma sociedade que emerge da dor, que está adoecida, seja por um uma gripe, uma tuberculose ou uma catarse. Lispectorante em dose alta para toda uma sociedade brasileira e mundial! Assim expectorar os podres que cada um tem dentro de se. Se deixe expurgar as maldades, o podre, o feio, o nojento, o mesquinho, e como diz Augusto dos Anjos “escarra nessa boca que te beija” e como palavreia o poeta popular da rua citando Clarice, “Deus não é um número” Deus é amor Deus é o afeto que somos capazes de ter e sentir mesmo diante do caos que se estabelece nas vidas por um mundo do capital especulativo desmedido.
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