Pernambuco tem o frevo e a Paraíba tem o forró. Pelo menos já foi assim um dia. Hoje, a Paraíba está abrindo mão da sua maior identidade cultural para atrair turistas atrás do sucesso do momento. Ano após ano, está matando e enterrando a maior representatividade da cultura nordestina: a festa de São João.
Campina Grande, cidade que fica a 120 km da capital João Pessoa, espalha aos quatro cantos que realiza “O Maior São João do Mundo”. Mas, no fundo, promove uma festa como qualquer outra, que pouco enaltece os valores e a tradição nordestina. Virou uma verdadeira parada de sucessos, com o único objetivo de atrair público e turistas — não de celebrar o São João.
É doloroso e revoltante perceber que a tradição do São João e a cultura nordestina estão sendo excluídas justamente na festa em que deveriam ser protagonistas. O frevo é o símbolo do carnaval de Recife e Olinda — por que o forró não poderia ser o protagonista em Campina Grande e em toda a Paraíba?
Se os governos estadual e municipais da Paraíba assumissem o controle do que acontece com o nosso forró, a Paraíba teria sua identidade preservada. Qualquer brasileiro em qualquer lugar do país reconheceria o forró da Paraíba — assim como reconhece o frevo de Pernambuco ou o axé da Bahia. Mas é preciso que os governantes, que detêm o poder, freiem essa enxurrada de ritmos que invadem o São João de Campina Grande todos os anos e façam dele de verdade “O Maior São João do Mundo”.
Que herança cultural queremos deixar para nossos netos? Um megaevento ou uma cultura criada, cultivada e difundida pelos artistas do Nordeste? O que estão fazendo com o São João na Paraíba — em Campina Grande, Bananeiras, Patos, Cajazeiras, Santa Luzia, João Pessoa, Cabedelo, Santa Rita — é um crime. Uma matança lenta e constante da nossa cultura. É como ver um paciente agonizando e não poder fazer nada.
Minha arma é a escrita, e é com ela que luto, tentando abrir os olhos de prefeitos e políticos para que não permitam que o São João vire apenas um evento qualquer. Essa é a chance de mostrar ao Brasil e ao mundo a verdadeira cultura nordestina.
A tradição junina não pode ser coadjuvante nessa festa. Deveria ser o principal motivo da realização do “Maior São João do Mundo” e de todos os “maiores” e “melhores” eventos juninos promovidos pelas prefeituras da Paraíba. Cadê as obras dos grandes mestres do forró? Cadê Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Marinês, os Trios de Forró, Jackson do Pandeiro, Antônio Barros, Cecéu, Elba Ramalho, Genival Lacerda, João Lacerda, Biliu de Campina, Flávio José, Jorge de Altinho, Nando Cordel e tantos outros?
Não venham dizer que isso não atrai público. Atrai sim! Imagine que bonito seria se turistas brasileiros e estrangeiros viessem à Paraíba para conhecer o forró autêntico, ver de perto os trios de forró com suas sanfonas, zabumbas e triângulos? Sairiam maravilhados, com a certeza de que viram o que não existe em seus estados — ou que, se existe, é cópia do que foi criado por artistas nordestinos.
O São João não precisa de megaeventos, toneladas de luz, som e fumaça de gelo seco. Precisa de respeito ao sanfoneiro, ao zabumbeiro e ao triangueiro. Não precisa de sertanejo, rock, música gospel ou DJ “bate-estaca”. Precisa de forró, chuveirinho, bomba chilena, peido de véia, traque, fogueira e bandeirinhas coloridas. Esse é o verdadeiro e maior São João do mundo.
A Paraíba teria deixado de ter artistas da arte forrozeira? Segundo o presidente da Associação dos Forrozeiros da Paraíba (Assforró-PB), Alexandre Pé-de-Serra, a resposta é um sonoro não. “A crueldade dos gestores com a nossa identidade nordestina é deplorável, desumana e presta o pior serviço educacional ao seu povo”, denuncia.
Ele cita artistas paraibanos que poderiam ser contratados para fazer do São João uma verdadeira celebração da cultura nordestina, como Pimentel, Zé Ramalho, Filhos do Forró, Pepysho Neto, Amazam, Joab Dantas, Forrozão Bom Que Só, e muitos outros. E lembra ainda artistas do Nordeste inteiro que poderiam abrilhantar o evento: Flávio Leandro, Nando Cordel, Nádia Maia, Petrucio Amorim, Mestrinho, Targino Gondim, Adelmário Coelho, Fulô de Mandacaru, João Lacerda, Trio Nordestino e tantos mais.
É hora de retomar o São João da Paraíba como patrimônio vivo da cultura nordestina e devolver o forró ao seu lugar de destaque. O Nordeste merece e precisa disso.
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